Sobre pizzas, tortas, queijos, maçãs e laranjas

Algumas semanas atrás, quando a cobertura sobre o banco PanAmericano estava lá em cima, lembro de ter encontrado um infográfico na Folha Online explicando o que havia causado a crise. Também lembro de ter achado os primeiros pontos fantásticos, porque eu não tinha entendido nada sobre aquilo.

Para falar a verdade, eu só tinha lido com alguma atenção aquela entrevista genial do Silvio Santos dizendo que não sabia quem era o “Elque” Batista. Mas entender economia não é exatamente uma das minhas habilidades (ao contrário, por exemplo, de Google Olympics), então era provável que eu não teria entendido nada sobre aquilo mesmo que tivesse acompanhado a história com mais vontade.

But I digress…

Voltando ao infográfico, vamos concordar que os três primeiros itens são super didáticos e ajudam analfabetos funcionais como eu:

Entenda a fraude do PanAmericano (infográfico: Editoria de Arte/Folhapress)Quando eu pensei “poxa, que infográfico bacana”, eu provavelmente estava pensando “yes!, finalmente entendi essa história”. Agora, semanas depois, posso identificar algumas características que contribuíram para o elogio:

  • Comparação visual entre “o que foi feito” e “o que deveria ter sido feito”;
  • Representação concreta de conceitos como “carteira” e “receita”;
  • Bonequinhos ajudando a identificar os montinhos como “este aqui é um banco”;
  • Sensação de que seria possível entender a história lendo só um pouquinho de texto.

Mas o infográfico não acabava aí. E o quarto item foi bastante decepcionante:

Patrimônio na fraude do PanAmericano (infográfico: Editoria de Arte/Folhapress)A decepção ficou por conta da escolha do tipo de gráfico.

Não que eu tenha alguma coisa contra o gráfico de pizza (ou de torta, para os americanos, ou de queijo, para os espanhóis). Até concordo quando o Cleveland (1994, p. 262) reclama que esse tipo de pop charts não ajudamuito na percepção visual de quantidades – já que existem opções mais claras e práticas. Mas o gráfico de pizza é tão usado que traz uma certa familiaridade para o leitor. Nós olhamos o gráfico de pizza e pensamos “ah, esse eu conheço” – mas a maior parte de nós morremos de medo de um dot plot com logaritmos.

Além disso, tem um argumento interessante sobre gráficos de pizza no livro do Roam (2008, p. 170):

Se você já esteve em uma festa de aniversário do jardim de infância, sabe que crianças de seis anos não têm dificuldades e escolher o maior pedaço da torta. Se elas conseguem perceber qual é, nós também conseguimos.

(E, afinal de contas, a percepção visual de quantidades não desaparece com a idade – o que desaparece é a nossa capacidade de ver dragões e unicórnios.)

Mas gostar de gráficos de pizza (ou, no meu caso, não ter grandes problemas com eles) não é motivo para usar o gráfico de pizza. A escolha do tipo de gráfico responde ao tipo de dados que precisam ser representados. E, sinceramente, este quarto item (mostrando o patrimônio positivo irreal e o patrimônio negativo real do banco) não era uma situação para o gráfico de pizza.

O De Pablos (1999, p; 32) escreve que nos gráficos de “queijo” “sempre há uma unidade distribuída por seções”. O Holmes (1984, p. 48) é ainda mais claro:

O gráfico de “torta”, ou círculo dividido, é um método de mostrar porcentagens de um todo. O círculo completo, ou a torta inteira, representa 100 porcento. As “fatias da torta” são as divisões desse 100%, determinadas de acordo com a magnitude da porcentagem de cada pedaço individual Por exemplo, uma fatia de 50% da torta seria metade dela.

O resumo da história é: as partes do gráfico de pizza devem formar um todo. Neste caso, somaram patrimônio real e patrimônio irreal para formar o todo “valor total da fraude”. O problema é que essa soma junta valor positivo e valor negativo, lucro falso e prejuízo verdadeiro. Além disso, o buraco fica menos aparente quando esses dois valores são transformados em partes do todo.

Depois de ver esse gráfico, tentei representar a mesma coisa com outro formato tradicional: o gráfico de barras. Para comparar, ficou assim:

Comparação: gráfico de pizza e gráfico de barras

Enquanto você faz o favor de ignorar que os gráficos estão feios e sem rótulos/legendas (é um rascunho, pessoas!), eu tento defender o gráfico de barras para estes dados:

  1. O gráfico de barras também relaciona os dois valores;
  2. Esse formato deixa claro que um valor é positivo e o outro é negativo (e isso é reforçado na codificação de cores);
  3. Não é feita a soma artificial de lucro e prejuízo;
  4. Mesmo assim, é possível observar a distância entre os dois extremos (ou entre realidade e fraude).

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Modelo de caracterização de infográficos: uma proposta para análise e aplicação jornalística

O infográfico é uma ferramenta jornalística marcada pela quebra da linearidade do texto escrito e pela organização gráfica do conteúdo, com o objetivo de promover interesse e compreensão. Nos últimos anos, diagramas menos ilustrativos e mais analíticos vêm marcando um período de mudanças em sua produção. Esta pesquisa propõe um modelo para caracterização e avaliação de infográficos em contextos acadêmicos e jornalísticos, com a finalidade de orientar sua produção. O modelo foi testado como guia de análise de conteúdo, gerando conjunto de dados sobre o uso do recurso em veículos noticiosos brasileiros.

Palavras-chave: Comunicação visual. Jornalismo. Design gráfico. Linguagem jornalística. Análise de conteúdo.

Mestrado (PDF)

Onze mil, quatrocentos e dezessete

Dei de cara com este infográfico nesta semana: Continue lendo »

A escala e a ilusão de óptica

*não há escala fixa de anos/cm

Se alguma coisa da minha dissertação chamar a atenção, provavelmente será a dedicatória bonitinha linha do tempo com a evolução da escrita, do jornalismo e de técnicas e tecnologias de representação visual. Mas existe uma coisa um tanto incômoda naquelas dez páginas: elas estão fora de escala.

Pois é, eu lamento muito – mas acabou sendo impraticável começar em 200.000 aC e chegar até o século 21 respeitando qualquer tipo de escala. Alguns períodos, como o intervalo entre 200.000 aC e 10.000 aC, se tornariam páginas e páginas em branco para que as informações dos séculos 17, 18 e 19 ficassem adequadamente distribuídas. Continue lendo »

Self-description

Self-description (XKCD)

Self-description (XKCD)

Um pouco de beleza

Diagram of the causes of mortality in the army in the East, de Florence Nightingale

Eu já falei que meu pai era professor de matemática? Bom, meu pai era professor de matemática. Lá pela oitava série, ele me dava reforço de Geometria nas manhãs de sábado porque “nunca dá tempo de chegar em Geometria na escola pública”.

Se você tem horror a Matemática, deve estar indo agradecer ao seu pai por não ter inventado aulas particulares para você. Mas, honestamente, não era ruim. Primeiro porque meu pai sempre foi compreensivo e aceitava modificar o horário da aula quando eu queria assistir treino de classificação de Fórmula 1. E também porque eu sempre gostei de Matemática. De verdade.

Lá pelo Ensino Médio, eu entendia que uma solução era bonita – mas não entendia que um soneto era bonito.

Lembrei disso quando estava assistindo “The Beauty of Diagrams”, uma série da BBC Four em seis episódios sobre diagramas célebres. Não viu? Procure. Dá para encontrar no Dailymotion.

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Sobre pizzas, tortas, queijos, maçãs e laranjas

Entenda a fraude do PanAmericano (infográfico: Editoria de Arte/Folhapress)

Algumas semanas atrás, quando a cobertura sobre o banco PanAmericano estava lá em cima, lembro de ter encontrado um infográfico na Folha Online explicando o que havia causado a crise. Também lembro de ter achado os primeiros pontos fantásticos, porque eu não tinha entendido nada sobre aquilo.

Para falar a verdade, eu só tinha lido com alguma atenção aquela entrevista genial do Silvio Santos dizendo que não sabia quem era o “Elque” Batista. Mas entender economia não é exatamente uma das minhas habilidades (ao contrário, por exemplo, de Google Olympics), então era provável que eu não teria entendido nada sobre aquilo mesmo que tivesse acompanhado a história com mais vontade.

But I digress…

Voltando ao infográfico, vamos concordar que os três primeiros itens são super didáticos e ajudam analfabetos funcionais como eu:

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A minha versão sobre a defesa do mestrado

Quando você entrega todas as cópias do mestrado exigidas pelo PPGCOM, também entrega um formulário indicando quem estará na banca, os suplentes da banca e a data da defesa. O meu formulário tinha uma data fictícia porque isso ainda não havia sido combinado com a banca – e a data fictícia era 24 de setembro.

Só que a defesa teve que ser adiada e, enquanto a data não era fechada, ninguém avisou a secretaria de pós. Eis que no dia 24 de setembro, às 9 e alguma coisa da manhã, a secretária liga no meu celular e pergunta: “Você não ia defender o mestrado hoje?”…

No fim, a defesa ficou para um mês depois da data fictícia. Hoje, 29 de setembro, às 9:30. Às 8:30, entro na secretaria de pós pedindo para abrir a sala para testar se a apresentação funcionava. A secretária diz “Mas você não vai defender hoje!”.

O.o

Sim, fui punk’d pela secretária do PPGCOM. Não faça isso comigo hoje, pessoa! Continue lendo »

Defesa do mestrado

Convite para a defesa do mestrado: 29/10, às 9:30, na ECA

(Uma parte da) história da infografia

Dez páginas da minha dissertação são ocupadas por uma linha do tempo relacionando a evolução da escrita, o desenvolvimento de técnicas de reprodução de textos e imagens, a representação gráfica do conhecimento e o infográfico. Isso reforça que a infografia não pode ser estudada fora desse contexto (sim, terei que usar esta palavra:) multidisciplinar – porque o infográfico que encontramos hoje em veículos jornalísticos só existe nessa forma como resultado desses e de tantos outros pontinhos na história. Continue lendo »

O conteúdo contra a forma

<a href="http://www.youtube.com/watch?v=TQQ6SfPZggw?hl=en"><img src="http://infografia.lhys.org/wp-content/plugins/images/play-tub.png" alt="Play" style="border:0px;" /></a>

Lembro de três músicas do DVD de casamento do meu irmão: “Love is all around”, “What a girl wants” e “One”.

A primeira foi a música que meu irmão pediu para a banda tocar quando eles entrassem no salão. E fazia sentido. Não porque você associa com uma comédia romântica que tem “casamento” no título e na qual o mocinho e a mocinha ficam juntos, mas porque é uma música sobre estar apaixonado e saber que é de verdade e que não é só agora.


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